Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo e as Doenças Tropicais Negligenciadas
O objetivo da pesquisa é investigar se as Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo (PDPs), como política pública desenvolvida pelo Estado Brasileiro, quando implementadas para o combate às Doenças Tropicais Negligenciadas (DTNs) são realmente eficazes.

​As PDPs são uma estratégia adotada pelo governo brasileiro visando a proteger o direito à saúde, garantido constitucionalmente, e de dever do Estado zelar por sua efetivação. Esta efetivação se dá, por exemplo, pelo acesso universal aos serviços de saúde prestados pelo Estado por meio do Sistema Único de Saúde (SUS). As parcerias podem ser realizadas apenas entre instituições públicas ou entre instituições públicas e privadas, visando ao desenvolvimento tecnológico na área da saúde. Ao ser analisados os produtos considerados estratégicos para o SUS, que são o principal foco das PDPs, verifica-se que uma das hipóteses pressupõe que o medicamento objeto da parceria seja um produto negligenciado ou que potencialmente sofra com desabastecimento.
Assim, como uma forma de valorizar a produção relacionada às DTNs, as propostas de parceria que envolverem produtos relacionados para tais doenças terão prioridade sobre os demais, conforme a portaria editada pelo governo para regulamentar as PDPs (Portaria de Consolidação nº 5, de 28 de setembro de 2017).
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A pesquisa analisa, então, a implementação das PDPs como política públicas que têm por objetivo ampliar o acesso às tecnologias voltadas à saúde a fim de suprir as necessidades do Sistema Único de Saúde (SUS). De forma objetiva, é verificado se a inciativa de PDP do Estado Brasileiro cumpre o papel de incentivar o desenvolvimento da produção farmacêutica nacional e facilitar o fornecimento de medicamentos produzidos em outros países.
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É sabido que com a nacionalização da produção farmacêutica, a tendência é que os preços dos medicamentos sofram um decréscimo, pela não mais necessidade de importação, além da venda para o poder público em grandes quantidades. Desta forma, ao se consider a venda em grande escala para o poder público, a adoção de PDPs relacionadas às DTNs caminha para a expansão da cobertura e acesso ao direito à saúde, uma vez que tais doenças são consideradas negligenciadas pelo baixo interesse da indústria farmacêutica na produção de fármacos para seu enfrentamento, como vacinas, meios para o diagnóstico e tratamentos.
Somado a isso, foi estimado pelo Ministério da Saúde que, em 2015, cerca de 26 milhões de pessoas no Brasil estavam sob risco de contrair esse tipo de enfermidade, havendo uma correlação direta entre a detecção de casos e o Índice de Vulnerabilidade Social (IVS), com maior incidência destas enfermidades em indígenas, com idade superior a 60 anos, e homens. Assim, a partir da adoção das PDPs, busca-se a diminuição dos níveis de negligência em relação a essas enfermidades e mitigação das desigualdades sociais em saúde.
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Desse modo, a pesquisa busca alcançar os seguintes objetivos:
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1 – Traçar um diagnóstico a respeito da adoção das políticas públicas de PDP e sua eficácia na função de incentivar a produção farmacêutica de medicamentos que se demonstram interessantes para o SUS.
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2 – Verificar se a lógica de incentivo também se aplica às doenças tropicais negligenciadas, que são aquelas que possuem baixo índice de inovação por parte da indústria farmacêutica tradicional, uma vez que não representa um mercado atrativo para investimentos em pesquisa e desenvolvimento.
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É importante destacar que a finalidade principal das PDPs, como política pública, não se concentra unicamente na obtenção de retorno financeiro por parte das instituições públicas participantes da parceria, ou das instituições privadas que se aliam a elas, mas sim na otimização do fornecimento de medicamentos ao SUS para melhor atender à população, diminuindo os custos com a produção ou compra desses produtos.
Metodologia
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Para alcançar os resultados desejados, a estratégia metodológica utilizada para este estudo empírico foi a de adoção de uma abordagem quanti-qualitativa. Seu viés quantitativo se expressa por meio da análise do número de PDPs diretamente relacionadas às Doenças Tropicais Negligenciadas, e comparando-o com o número de PDPs relacionadas às demais doenças que não integram este grupo.
Para atingir o primeiro objetivo, monitorar completamente a aplicação das políticas públicas e a implementação por meio delas das metas estabelecidas, é necessário se observar o cumprimento de algumas etapas, conforme já traçado pela literatura existente, o que exige uma abordagem qualitativa. Tais etapas consistem, sequencialmente, na avaliação dos problemas que se pretende enfrentar, nas metas que se busca atingir, nos recursos que se pretende empregar, na avaliação do que realmente foi feito, na obtenção efetiva de resultados pela prática da política pública, na avaliação dos dados produzidos e na revisão geral sobre o que foi alcançado com a política pública na prática.
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Para o atendimento do segundo objetivo, utilizou-se o critério quantitativo, já que foram coletados os dados referentes à quantidade de PDPs propostas e estas foram filtradas a fim de se verificar quais delas se relacionam diretamente ao enfrentamento das DTNs. No entanto, ainda existem alguns entraves à aplicabilidade desta metodologia para a verificação do desempenho do país no combate às DTNs, já que o fato de uma PDP ter sido pensada diretamente para este grupo de doenças não significa, necessariamente, que ela será a maior responsável pela contenção das doenças. Além disso, é importante observar que o objetivo consiste em verificar a presença de PDPs relacionadas ao grupo das DTNs, porém a mera existência de alguma PDP com esse fim não significa, obrigatoriamente, o amparo de todas as DTNs pela política pública.
Resultados Principais
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Após a pesquisa e o monitoramento da política pública por meio da análise dos dados empíricos coletados, foi possível verificar que apesar de as PDPs serem uma forma de tornar mais efetivo o exercício do direito constitucional à saúde e de melhorar a estrutura da saúde pública nacional, esta política pública não demonstra eficácia no enfrentamento às DTNs pela inexpressividade de parcerias diretamente relacionadas a ela, demonstrando carência de produção e desenvolvimento de produtos farmacêuticos destinados ao combate destas enfermidades de baixa atratividade comercial. Conforme os dados analisados na pesquisa, foram coletadas 91 PDPs, e apenas uma delas se relacionava diretamente com o grupo das doenças tropicais negligenciadas.
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Embora o regramento das PDPs seja favorável ao estímulo da produção farmacêutica para as DTNs, o que se verificou foi a disparidade na execução das DTNs quando comparadas com outras enfermidades como, por exemplo, as Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNTs), para as quais se nota, inclusive, a presença de concorrência entre PDPs. No caso das DCNTs, é possível observar que existem números consideráveis para um mesmo medicamento destinado a essas doenças, ao passo que a apresentação de PDPs para a produção de medicamentos que cubram DTNs se mostra praticamente inexistente.
Estes resultados demonstram que, apesar de as PDPs serem consideradas uma boa estratégia para a produção de fármacos e para a diminuição dos custos relacionados ao SUS, no formato que são executadas atualmente pelo governo brasileiro, estas não se mostram como a estratégia mais adequada ao enfrentamento das DTNs.
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É possível verificar, também, que não foram traçadas metas claras para os resultados obtidos por meio das PDPs e, nem mesmo, houve monitoramento contínuo destas. De fato, em razão da ausência do delineamento de metas, não é possível verificar se as PDPs atingem ou não o fim a que se destinam.
Assim, embora as PDPs se apresentem como uma política pública inovadora, representando uma alternativa à falta de invenções na indústria farmacêutica em relação às doenças tropicais negligenciadas, em razão da ausência de acompanhamento na implementação destas parcerias, bem como da falta de apresentação de PDPs que tenham como objeto fármacos relacionados a estas doenças, tal iniciativa do governo não demonstrou resultados satisfatórios em sua implementação até o momento.
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Incidência em Políticas Públicas no Brasil
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A pesquisa tem como fim traçar um diagnóstico da implementação da política pública das PDPs, verificando quais foram os principais problemas enfrentados na prática a partir da utilização da política de parcerias, e quais foram as consequências provenientes de sua ineficácia. Sendo assim, constatou-se que a política pública das PDPs precisa ser reformulada para que adquira maior grau de efetividade. Diante disso, considerando os pontos em que a pesquisa encontrou gargalos na execução das PDPs com vista ao enfrentamento das doenças tropicais negligenciadas, a principal contribuição da pesquisa para a política pública é a demonstração da necessidade de se repensar as formas de incentivar e exigir a produção de medicamentos atrelados às DTNs.
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Desse modo, uma primeira forma de se reformular a produção de medicamentos para as DTNs seria incluir na lista de produtos considerados estratégicos para o SUS aqueles que deveriam ser objetos de propostas conjuntas. Assim, a escolha de um produto que possua alto valor agregado para que se firme uma PDP, em razão da necessidade da proposta conjunta, traria consigo a apresentação de uma parceria para medicamentos que tenham como fim o enfrentamento às DTNs, considerados de baixo valor agregado. Dessa forma, a partir de estratégias como essa, acredita-se ser possível controlar e mitigar as dificuldades enfrentadas na execução da política pública.
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Além disso, a partir da pesquisa, é possível verificar que se mostra necessário o estabelecimento de PDPs de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação, que já possuem previsão no instrumento normativo que regula as PDPs. Tal necessidade está atrelada à insuficiência do sistema jurídico de propriedade intelectual, o qual se mostra ineficiente em relação ao incentivo à inovação frente a algumas situações. Assim, a criação de políticas públicas que incentivem P, D & I se revela como uma alternativa para combater os altos preços gerados a partir do monopólio proveniente da proteção patentária.
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Por fim, é importante destacar que, apesar da adoção de novas medidas para a melhoria da política pública, a peça chave é o monitoramento contínuo dos resultados, a fim de diagnosticar quais foram os efeitos causados pelas modificações propostas.
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Texto: Carlos José de Assis Pereira
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FERES, Marcos Vinício Chein; SILVA, Alan Rossi. As parcerias para o desenvolvimento produtivo e as doenças tropicais negligenciadas. Revista Brasileira de Políticas Públicas, Brasília, v. 12, n. 3, p. 323-353, 2022. DOI: 10.5102/rbpp.v12i3.7958.
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Acesse o estudo: https://www.publicacoesacademicas.uniceub.br/RBPP/article/view/7958​​​​​​​